sexta-feira, 1 de março de 2013

O Corvo e o Espantalho

 

O Corvo e o espantalho












Havia tanta dor no coração que seu tempo passava lenta e perturbante dentro de seu quarto escuro e frio. Uma pequena cidade de interior onde nada de relevante acontece. A morte já havia chegado a sua vida duas vezes, então, se tornou insensível a ela, as perdas. Quem seria o próximo? Tanto faz. Já havia visto Sua mãe dentro do caixão e participou alguns poucos meses depois do velório de sua única irmã como também única amiga. E se agora fosse embora seu pai? Seus tios? Já não importava mais com isso. Logo iriam embora de qualquer forma.

Debruçada no batente da janela observava o vento soprando os galhos das árvores. Em sua mente surgiu à imagem de um espantalho num milharal ao longe sendo visitado por corvos nesse final de tarde- Me sinto como ele- Ela pensava e deitou-se na cama ligando o Toca-fitas. Acendeu um cigarro que agora não mais escondia no fundo do guarda roupa para sua mãe não ver. E pensou num garoto bonito que havia visto na semana passada na beira do asfalto quando passou de ônibus, mas, não sabe dizer se por imaginação sua, viu seus olhos vazios como se fosse um buraco negro e seus cabelos pareceram os do espantalho que um pouco adiante deveria estar no milharal, mas, não estava. No dia seguinte estava. Estranho, mas, tanto faz.

E se o mundo acabasse naquele momento? Que paz seria! De repente um corvo pousa no batente da janela. O telefone toca. Atende- O quê?- A voz do outro lado relata que seu pai caiu do andaime e morreu tendo o pescoço quebrado. A garota desliga o telefone sem terminar de ouvir o que a outra voz dizia e senta encolhida sobre a cama olhando atônita para o quadro na parede onde está sentada no colo do seu pai sorrindo para fotografa do dia, sua mãe.

Chovia forte quando enterraram seu pai numa tarde de inverno. A duas blusas pareciam não aquecê-la e era interessante ver os pingos de chuva molhando e formando uma espécie de aura nos anjos de concreto em cima de algumas lápides. Aonde seu pai iria agora? Construtor sério que era, talvez, fosse construir algumas casas no outro mundo, talvez, não.

Não se sabe se por imaginação sua, mas, viu o corvo ao longe no topo de uma árvore olhando para o funeral. No instante seguinte quando seu olhar se desviou por causa de alguém pondo as mãos no seu ombro para desejar votos pelo falecimento ao retornar o olhar não estava mais lá, porém, viu alguém saindo do cemitério usando, sobretudo preto e pondo o capuz na cabeça.

Seis anos se passaram. Agora a cidade pequena era apenas uma lembrança. Arrumou emprego na cidade grande assim que terminou o colegial. Passou a durante o dia recepcionar numa clinica. Seu trabalho lhe permitia conhecer todo tipo de pessoas. Algumas normais, outras nem tanto, mas, sabia que não havia no mundo ninguém mais estranho que ela.

Certa noite voltando para casa viu numa mesinha de bar um jovem sentado tomando aparentemente conhaque e a olhando fixamente sem se importar com o que ela pensaria disso. Seus olhos vazios eram familiares e seus cabelos a levaram para uma pequena cidade que há muito não visitava. Cidade que abriga os ossos de seus membros familiares mais queridos.

Mesmo assim ignorou e voltou para sua casa. Seu poder de observação não notou o corvo no topo do poste de luz iluminado pela luz da lua. Nem notou siriús no céu. Era uma noite comum como tantas outras.

Quando entrou em sua casa não notou que o vaso de flores sobre a mesinha não estava da forma que deixou. Estava sem as flores. Quando se despiu tomou seu merecido banho e entrou no quarto para vestir-se com algo aconchegante. Sua boca foi tapada por uma mão. A dor foi rápida. A faca ensanguentada posta num lenço e o velho barbudo saíram pela janela levando algum pouco dinheiro e um anel de ouro lembrança do pai que a jovem guardava consigo.

O corvo parou no batente da janela levantou voo e pousou no ombro do jovem de cabelo meio alaranjado que andava pelo frio da rua com olhar vago e perdido.



                           By: Bruci Fernandes                                                                                                   

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