O Corvo e o espantalho
Havia tanta dor no coração que seu tempo passava lenta e perturbante
dentro de seu quarto escuro e frio. Uma pequena cidade de interior onde nada de
relevante acontece. A morte já havia chegado a sua vida duas vezes, então, se tornou
insensível a ela, as perdas. Quem seria o próximo? Tanto faz. Já havia visto Sua
mãe dentro do caixão e participou alguns poucos meses depois do velório de sua única
irmã como também única amiga. E se agora fosse embora seu pai? Seus tios? Já
não importava mais com isso. Logo iriam embora de qualquer forma.
Debruçada no batente da janela observava o vento soprando os galhos
das árvores. Em sua mente surgiu à imagem de um espantalho num milharal ao longe
sendo visitado por corvos nesse final de tarde- Me sinto como ele- Ela pensava
e deitou-se na cama ligando o Toca-fitas. Acendeu um cigarro que agora não mais
escondia no fundo do guarda roupa para sua mãe não ver. E pensou num garoto
bonito que havia visto na semana passada na beira do asfalto quando passou de
ônibus, mas, não sabe dizer se por imaginação sua, viu seus olhos vazios como
se fosse um buraco negro e seus cabelos pareceram os do espantalho que um pouco
adiante deveria estar no milharal, mas, não estava. No dia seguinte estava.
Estranho, mas, tanto faz.
E se o mundo acabasse naquele momento? Que paz seria! De repente um
corvo pousa no batente da janela. O telefone toca. Atende- O quê?- A voz do
outro lado relata que seu pai caiu do andaime e morreu tendo o pescoço
quebrado. A garota desliga o telefone sem terminar de ouvir o que a outra voz
dizia e senta encolhida sobre a cama olhando atônita para o quadro na parede
onde está sentada no colo do seu pai sorrindo para fotografa do dia, sua mãe.
Chovia forte quando enterraram seu pai numa tarde de inverno. A duas
blusas pareciam não aquecê-la e era interessante ver os pingos de chuva
molhando e formando uma espécie de aura nos anjos de concreto em cima de
algumas lápides. Aonde seu pai iria agora? Construtor sério que era, talvez,
fosse construir algumas casas no outro mundo, talvez, não.
Não se sabe se por imaginação sua, mas, viu o corvo ao longe no
topo de uma árvore olhando para o funeral. No instante seguinte quando seu olhar
se desviou por causa de alguém pondo as mãos no seu ombro para desejar votos
pelo falecimento ao retornar o olhar não estava mais lá, porém, viu alguém
saindo do cemitério usando, sobretudo preto e pondo o capuz na cabeça.
Seis anos se passaram. Agora a cidade pequena era apenas uma
lembrança. Arrumou emprego na cidade grande assim que terminou o colegial. Passou
a durante o dia recepcionar numa clinica. Seu trabalho lhe permitia conhecer
todo tipo de pessoas. Algumas normais, outras nem tanto, mas, sabia que não
havia no mundo ninguém mais estranho que ela.
Certa noite voltando para casa viu numa mesinha de bar um jovem
sentado tomando aparentemente conhaque e a olhando fixamente sem se importar
com o que ela pensaria disso. Seus olhos vazios eram familiares e seus cabelos
a levaram para uma pequena cidade que há muito não visitava. Cidade que abriga
os ossos de seus membros familiares mais queridos.
Mesmo assim ignorou e voltou para sua casa. Seu poder de observação
não notou o corvo no topo do poste de luz iluminado pela luz da lua. Nem notou siriús
no céu. Era uma noite comum como tantas outras.
Quando entrou em sua casa não notou que o vaso de flores sobre a
mesinha não estava da forma que deixou. Estava sem as flores. Quando se despiu
tomou seu merecido banho e entrou no quarto para vestir-se com algo aconchegante.
Sua boca foi tapada por uma mão. A dor foi rápida. A faca ensanguentada posta
num lenço e o velho barbudo saíram pela janela levando algum pouco dinheiro e
um anel de ouro lembrança do pai que a jovem guardava consigo.
O corvo parou no batente da janela levantou voo e pousou no ombro
do jovem de cabelo meio alaranjado que andava pelo frio da rua com olhar vago e
perdido.
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