segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Hemisfério cerebral norte









Hemisfério cerebral norte

O vento sopra forte, faz dançar a capa do cavaleiro de armadura negra pelo vale trotando calmamente com seu cavalo negro cor ébano. O frio percorre suas entranhas apesar do calor da armadura, apesar da malha de couro por debaixo dela. Faz algum tempo que não bebe um bom vinho, nem come javali assado temperado com especiarias vindas do sul através dos mercadores. Já a um bom tempo não dorme com uma mulher. Quando foi seu último amor? Não se lembra, nem sabe como funciona esse sentimento. Funciona? É uma engrenagem? Ele se pergunta a todo instante enquanto ruma para a caverna do diabo localizado nas montanhas ao norte. O nome é esse por causa da fama do perigo que acompanha o lugar que dizem ser o ninho de um imenso Dragão, aliás, as lendas dizem. Demorou muitos anos para Russel como é chamado o cavaleiro solitário de armadura negra e capa vermelha descobrir esse local.
AS terras distantes do norte são evitadas pelo povo da aldeia do Declínio. Todos temem suas feras, são assombrados pelos demônios que vagam por terras e pela crença do despertar do Dragão Vermelho Morpheus.
Russel enfrentou muitas batalhas até adquirir o titulo de Cavaleiro Negro da ordem dos lobos. Agora vaga pelo mundo atrás de tesouros, batalhas e a missão de encontrar a joia da memória. Artefato segundo manuscritos capazes de manipular o tempo, mudar a história a bel prazer daquele que se apossar dele, no entanto,Russel tem como missão pessoal matar o Dragão mítico. À medida que se aproxima da caverna subindo a encosta, seu coração bate mais rápido e essa adrenalina lhe dá prazer. O vento frio sopra os galhos das árvores, derruba folhas no chão. Animais correm para dentro da mata quando ouvem o trotar do cavalo apesar de seu silêncio em cada passo por cautela do Cavaleiro Negro.
A caverna imensa parece um buraco negro. Quando a espada corta arbustos abrindo caminho morcegos voam para longe. Pássaros negros levantam voo e desaparecem no começo de noite. A luz apenas um halo no céu cinza.
Com cautela Russel esgueira-se para dentro da caverna, deixando seu cavalo Colapso a espera. Aos poucos a visão vai se acostumando com a escuridão, durante algum tempo caminha quando vê uma luz tênue aparecendo na curva da caverna. Algumas tochas estão acesas nas paredes. Um salão de pedras erguido no interior da caverna (...)


 (quem sabe, um dia, continuo essa História que está em minha mente)


By: Bruci j. Fernandes


domingo, 24 de novembro de 2013

Satélite Natural









Satélite Natural

-Chá gelado na madrugada não é algo que me agrada, sabe.
Diz Ana no chat de um site de relacionamento, se despedindo em seguida do seu amigo de longe com quem conversa há anos. É como se fossem dois irmãos nascidos em famílias diferentes.
Senta no sofá ao lado da cama no seu quarto. Ela gosta do sofá ali, por mais que sua mãe já tenha dito para jogar fora o sofá velho, diz gostar dele, olha para o relógio na escrivaninha, mostra serem três horas da madrugada.  
Um vento frio sopra fora da casa. Pela janela enxerga um vestígio da lua. Os fantasmas do amor invadem sua mente. Envolvem-na poemas de Baudelaire, embriaga- lhe o resto de vinho sobre a mesinha do computador.
Ri da sua própria desilusão, pega um canetão na sua mochila e desenha na parede do quarto correntes com tinta vermelha. Desenha correntes por todo o seu corpo; Pernas, braços, mãos, pescoço, busto... E semblante. A corrente termina no seu coração num desenho sobreposto no local onde se localiza o órgão que bombeia sangue para todo o seu corpo: no centro do peito. Chora com lágrimas misturadas a com rímel pela face.
O seu coração dói. Dói muito e Ana adormece deitada no tapete do quarto.
O natal se aproxima. A árvore montada na sala com suas luzes piscas- piscas relembra sua infância, seus momentos bons com o pai que falecera dois anos atrás. A saudade bate forte, o coração dói novamente. No mais profundo do seu coração, espera que seu pai esteja vivendo na lua, lugar que seu pai lhe disse várias vezes que queria conhecer. Ás vezes deitada no sofá da sala olhando as luzes pisca-pisca na árvore, principalmente as amarelas imagina seu pai no satélite natural, jogando xadrez com São Jorge, enquanto o segundo conta como enfrentou o dragão do crepúsculo de sua vida. E ri de si mesma imaginando coisas tão loucas, tão loucas para sua idade: 15 primaveras. Algo dentro de si considera metade desses anos, anos de inverno.
-Não quero falar sobre isso!
Desconversa, quando um amigo de sala de aula pergunta por que perto do seu pescoço tem correntes desenhadas com canetão vermelho.
A mesma aula de sempre. A professora ensinando aparentemente por obrigação. Já deve ter se conformado com o baixo salário, perdeu a vontade de dar aula, não tem mais aquele brilho no olhar do começo com pura vontade de ensinar. Não quer correr o risco de tentar outra profissão, mas, não quer mais se dar 100% ao difícil trabalho de ensinar aborrecentes com hormônios a flor da pele.  Não quer voltar para casa mais cansada do que deveria. Ana lê seu livro no canto da sala, concentrada no romance, rabisca uma ou outra corrente na última matéria do caderno.
Os prisioneiros no campo.
Os pães estão quentes.
O homem sem dentes morreu sem ir para a Lua.
O chamavam de homem santo.
Alguns de homem doente.
Dos frutos do jardim, escolheu a macieira.
No dia 17 de Julho encontraram seu corpo na rua
Caído, quente (frio) junto a jornais e revistas velhas.
Os prisioneiros voltam para suas casas.
Os pães são devorados
E fazem amor com suas mulheres na alvorada.

Ana não sabe muito bem por que escreveu algo que não condiz exatamente com a realidade. Seu pai não viveu na época da guerra, mundial, civil, ou, o que seja. Seu pai não era mendigo, seu pai tinha todos os dentes (ou, melhor quase todos havia extraído um na ultima consulta ao odontologista). A data condiz com a realidade, morto em julho por ladrões, ou, não foi assim que aconteceu? Ela não se lembra de direito desse dia e não quer perguntar para as pessoas. Fica triste quando lembra que seu pai era mendigo de amor da mãe em muitos sentidos. Fica triste em saber que seu pai era prisioneiro do trabalho para sustentar a família, todo dias fazendo pães e mais pães logo cedo, más, não fazia amor com frequência com a esposa.  Apesar de tudo fazia com amor seus pães e sorria sempre.
- Por que tu pensa tanto nele ainda Ana, mesmo tendo passado tanto tempo?
Ela não sabe responder ao seu amigo João quando fala do seu dia para seu amigo virtual e diz doer ainda nunca ter sido correspondida pelo grande amor de sua vida. Grande como todos os amores dos poemas mais belos que existem.
Ana não percebe que as correntes estão crescendo na mente de João que são vermelho puro sangue.
-Vamos fugir João?
-Fugir para onde?
- Dizer o lugar, não é fugir. Fugir é sumir não importa para onde.
Sem esperar resposta, saí da internet, pega chá quente na cozinha. Senta na sala e durante um bom tempo fica observando as luzes na árvore de natal. Sente tristeza, alegria, nostalgia, esperança, desesperança. Esse ano pelo terceiro ano consecutivo montou a árvore sozinha sem ajuda do pai.
-Existe diferença Ana entre gostar e sentir atração. Se ele diz que gosta de você, mas, também gosta de outra garota, bom, ele apenas sente atração por você. Gostar é mais que isso. É adentrar dentro de você e ver as maravilhas do mundo mesmo que por um breve instante. Sabe, Ana, sua mãe e eu... Bem, a gente dorme em camas separadas, você sabe disso, muita gente sabe, não sei se realmente ela já me amou se tivesse amado se lembraria da intensidade e não da dor. Lembrar-se-ia dos momentos bons do quanto me conheceu. Não sei Ana. Fico pensando nisso e só.
Fazia frio quando conversaram sobre isso na varanda da casa quando sua mãe havia saído com as amigas para o Shopping e seu pai ficou com ela conversando a tarde toda. Dia inesquecível. Fazia frio como o faz hoje. Muito frio e seu coração dói.
Ela se encolhe no sofá, encosta os joelhos no peito, diz baixinho:
-Sinto sua falta pai.
O homem da lua fazia pães todos os dias, macios, gostosos e os clientes gostavam dele, sentem saudades dele. Ele gostava de ficar atualizado sobre o mundo, li jornal todo dia e revistas. Ás vezes queria poder saber o que iria acontecer no dia de amanhã apenas para ajudar as pessoas, mas, não conseguia ajudar a si mesmo. O Natal era importante para ele, foi quando soube da gravidez da mulher e decidiu dar o nome da profetisa que reconheceu Jesus como Messias no Novo Testamento.
A vida perdeu a graça para Ana.  O chá não era apenas chá.
No computador ainda ligado, João chama sua atenção no chat:
-Ana, tá tudo bem? Ainda está aí? Tu ouviu? Eu disse que fujo sim com você.
O homem da Lua nunca soube o dia de amanhã.





By: Bruci J. Fermandes 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Lucy





Lucy

-Você tem certeza disso?
-Sim, fiz o teste hoje de manhã e dizem que a porcentagem de erro é muito pouca. Tudo bem que sou péssima em matemática, mas, acredito que eu realmente esteja...
-Essa não! Isso não deveria ter acontecido.
-O que vamos fazer?
- Sei lá. Não estou a fim de ter que trabalhar por obrigação. No que eu poderia trabalhar? Não sei fazer nada direito.
-você, como sempre egoísta.
-Não sou egoísta. Só não quero essa responsabilidade tão cedo, não quero uma criança sofrendo nesse mundo doente.
Ele deita na cama, põe a perna direita sobre o joelho esquerdo, posiciona a cabeça sobre as mãos trançadas por trás da nuca e ri.
-Do que está rindo infeliz?
-Disso tudo. Da vida. Essa poderia ser uma cena típica dos filmes, onde um cara estaria deitado assim como eu olhando para o teto, no entanto ouvindo música no rádio e fumando um cigarro com atmosfera poética, ou, algo similar, mas, não, nem fumar eu fumo, nem segredos eu tenho, minha vida é uma bosta, sou um livro aberto. Verdadeira merda.
-Não fala assim. Merda você está sendo por pensar assim! Deveria ter mais responsabilidade com a própria vida.
-Não diga coisas que você não sabe.
-Por que não deveria dizer? Quando contei sobre minha primeira vez com meu ex, você me criticou dizendo que fui tonta por se entregar para uma cara como ele. Nem sabia o que eu sentia de verdade o que pensava na época e me criticou.
-É diferente e você sabe disso.
-Pare com isso seu dono da verdade!
-A verdade está lá fora dizia o seriado...
Ele se levanta e vai para a cozinha. Volta com um maço de cigarros e um isqueiro.
-O que você tá fazendo com o cigarro de minha mãe?
-Quero fazer jus a esse filme de nossas vidas. Apenas isso.
Ele senta na cama, põe o cigarro na boca, acende o isqueiro, traga com cuidado, tossindo.
-Nem sabe como fazê-lo.
Ela se recolhe, encosta o joelho sobre o pescoço. Seu pijama azul  marinho forma dégradé com o lençol azul escuro.
-Cala a boca. Olha só, no filme a garota estaria usando uma calcinha preta e um corselete e não esse pijama ridículo.
-Vá se catar.
-Deveria mesmo. Masturbação, não me traria problemas assim.
Ele aprende a fumar sem se asfixiar com a fumaça do cigarro. Deita na cama olhando para o teto. No rádio que acabara de ligar, toca Lucy in the Sky with diamonds do Beatles.
- Sabia que na Etiópia quando confirmaram que um esqueleto do australopiteco era do sexo feminino deram o nome a ela de Lucy por que nesse momento estava tocando essa música?
-Amanhã pelo uns trocados para meu velho e te entrego, ok?
Ela olha não responde apenas tem seu olhar perdido olhando para o céu lá fora.
O tempo passou. Eles terminaram. Ele anos mais tarde se casou, descobriu que é estéreo de nascença, passaram-se os anos, recentemente descobriu que tem um tumor e probabilidade de poucos meses de vida.
Na TV o repórter relata assalto num banco; no rádio ligado no quarto toca The Wanderer do U2. Ele conseguiu se aposentar. Ri olhando a rua lá fora pela porta de sala, enquanto a canção se sobressaí sobre o som da TV:
I went out riding down that old eight-lane…






by: Bruci j. Fernandes