Lucy
-Você tem certeza disso?
-Sim, fiz o teste hoje de manhã e dizem que a porcentagem de erro é muito
pouca. Tudo bem que sou péssima em matemática, mas, acredito que eu realmente
esteja...
-Essa não! Isso não deveria ter acontecido.
-O que vamos fazer?
- Sei lá. Não estou a fim de ter que trabalhar por obrigação. No que eu
poderia trabalhar? Não sei fazer nada direito.
-você, como sempre egoísta.
-Não sou egoísta. Só não quero essa responsabilidade tão cedo, não quero
uma criança sofrendo nesse mundo doente.
Ele deita na cama, põe a perna direita sobre o joelho esquerdo, posiciona
a cabeça sobre as mãos trançadas por trás da nuca e ri.
-Do que está rindo infeliz?
-Disso tudo. Da vida. Essa poderia ser uma cena típica dos filmes, onde
um cara estaria deitado assim como eu olhando para o teto, no entanto ouvindo
música no rádio e fumando um cigarro com atmosfera poética, ou, algo similar,
mas, não, nem fumar eu fumo, nem segredos eu tenho, minha vida é uma bosta, sou
um livro aberto. Verdadeira merda.
-Não fala assim. Merda você está sendo por pensar assim! Deveria ter mais
responsabilidade com a própria vida.
-Não diga coisas que você não sabe.
-Por que não deveria dizer? Quando contei sobre minha primeira vez com
meu ex, você me criticou dizendo que fui tonta por se entregar para uma cara
como ele. Nem sabia o que eu sentia de verdade o que pensava na época e me
criticou.
-É diferente e você sabe disso.
-Pare com isso seu dono da verdade!
-A verdade está lá fora dizia o seriado...
Ele se levanta e vai para a cozinha. Volta com um maço de cigarros e um isqueiro.
-O que você tá fazendo com o cigarro de minha mãe?
-Quero fazer jus a esse filme de nossas vidas. Apenas isso.
Ele senta na cama, põe o cigarro na boca, acende o isqueiro, traga com
cuidado, tossindo.
-Nem sabe como fazê-lo.
Ela se recolhe, encosta o joelho sobre o pescoço. Seu pijama azul marinho forma dégradé com o lençol azul
escuro.
-Cala a boca. Olha só, no filme a garota estaria usando uma calcinha
preta e um corselete e não esse pijama ridículo.
-Vá se catar.
-Deveria mesmo. Masturbação, não me traria problemas assim.
Ele aprende a fumar sem se asfixiar com a fumaça do cigarro. Deita na
cama olhando para o teto. No rádio que acabara de ligar, toca Lucy in the Sky with
diamonds do Beatles.
- Sabia que na Etiópia quando confirmaram que um esqueleto do australopiteco
era do sexo feminino deram o nome a ela de Lucy por que nesse momento estava
tocando essa música?
-Amanhã pelo uns trocados para meu velho e te entrego, ok?
-Amanhã pelo uns trocados para meu velho e te entrego, ok?
Ela olha não responde apenas tem seu olhar perdido olhando para o céu lá fora.
O tempo passou. Eles terminaram. Ele anos mais tarde se casou, descobriu
que é estéreo de nascença, passaram-se os anos, recentemente descobriu que tem
um tumor e probabilidade de poucos meses de vida.
Na TV o repórter relata assalto num banco; no rádio ligado no quarto toca
The Wanderer do U2. Ele conseguiu se aposentar. Ri olhando a rua lá fora pela
porta de sala, enquanto a canção se sobressaí sobre o som da TV:
I went out riding down that old
eight-lane…
by: Bruci j. Fernandes
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